Atualmente fala-se demais em Deus, no entanto, pouco se pratica de seus ensinamentos.
As religiões, muitas vezes, fazem com que a população em geral se afaste mais da Divindade do que de fato se una a ela. Este fato pode ser facilmente comprovado quando se observa a humanidade em vertiginoso declínio moral, em paralelo com tanta apologia a Deus e a novas religiões que surgem a cada dia, todas prometendo um “deus” próprio e salvador ou um caminho seguro para a espiritualidade.
Em verdade, estamos ante um estelionato coletivo, que tem perdurado há anos. Isto ocorreu a partir do momento em que se passou a alimentar a ideia de um Deus separado e observador de sua criação. Deste ponto de partida, criamos uma falsa ideia de espiritualidade, pois buscamos fora algo que está dentro. Em suma, de fato não sabemos o que procuramos e, neste diapasão, confundimos espiritualidade com oração, pedidos, milagres, oferendas e rituais mas, na maioria das vezes, sequer entendemos seus significados.
A grande questão não é acreditar ou não acreditar em Deus, mas sim, senti-lo, experienciá-lo, pois toda crença advém de nossa razão limitada e não de nossa intuição divina, o que torna toda crença limitante por natureza.
Nosso afastamento do sentido e da essência da verdadeira espiritualidade fica oculto sob uma falsa crença em Deus que a maioria ostenta e declara orgulhosamente sempre que necessário, ao mesmo tempo em que ataca aqueles que se dizem ateus ou, ainda, aqueles que não comungam das mesmas crenças.
Enquanto focamos nossa energia em declinarmos nossa crença em Deus ou nosso ateísmo, esquecemo-nos e sequer percebemos que tanto uma postura quanto a outra não passam de meras crenças, já que o primeiro, que diz acreditar em Deus, não reflete os valores divinos no seu comportamento e o segundo, não percebeu que a pior crença é aquela de achar que não tem crença, ou seja, ambos, de uma forma ou de outra, encontram-se reféns de problemáticas idênticas.
O caminho da verdadeira espiritualidade não convém ao ego, por isso é evitado a qualquer custo, inclusive através do ardil de abraçarmos uma falsa espiritualidade, que juramos e nos convencemos de estar certos dela. O motivo para isto encontra-se explícito em nossa identificação com nosso próprio ego onde, a partir de então, passamos a seguir suas tendências. Em vez de optarmos pelo nosso melhor, acabamos optando pelo nosso pior.
Seguem, abaixo, alguns tópicos que indicam o caminho para todo aquele que busca trilhar a verdadeira espiritualidade que sempre exigiu e exigirá o seguinte:
a) Confronto com nós mesmos
Este, além de ser o primeiro item, é o principal motivo que leva o homem a buscar a falsa espiritualidade em detrimento à verdadeira, pois o confronto consigo mesmo exigirá humildade e a desconfiguração da falsa imagem que faz de si mesmo. Observe, caro leitor, que todos se acham honestos, íntegros, pacíficos. No entanto, construímos um mundo desonesto, fragmentado e violento, de forma que a realidade desmente a face angelical que utilizamos como máscara social e que serve apenas para alimentar a hipocrisia coletiva.
b) Renunciar a tudo o que não alimenta a alma
Este segundo tópico mostra-nos que nos construímos através de nossas escolhas. Uma antiga lenda indígena conta que discípulos de uma tribo cercaram o Pajé, o mentor espiritual, e questionaram como ele definia a vida e a espiritualidade e como ele se sentia por dentro tendo visivelmente conquistado um avanço espiritual. Feita a indagação, todos ficaram ansiosamente aguardando a resposta, até que o Pajé respondeu: “Eu ainda me sinto como se estivesse numa guerra interna. Sinto que há dois lobos de naturezas distintas que habitam o meu peito. Um deles quer o meu bem, busca as coisas elevadas e éticas, porém o outro, inversamente, sempre me conduz a escolhas que me trarão sofrimento e que não se coadunam com a moral”. Ainda curiosos com o relato, perguntaram uma segunda vez ao Pajé: Mas qual dos dois lobos vai ganhar esta batalha? Respondeu o Pajé: “Aquele que eu alimentar”.
c) Amar a si mesmo
É comum confundirmos amor próprio com amor à nossa personalidade. São duas coisas antagônicas que se autoexcluem. Na grande maioria das vezes, alimentamos nosso ego oferecendo a ele uma falsa postura de amor, que no fundo somente nos reserva sofrimento futuro. A verdadeira autoestima implica em esquecer de si mesmo e pôr-se na utilidade e no melhor da sua missão. Quem tem elevada autoestima não se violenta mantendo-se em relações afetivas falidas, empregos que nada têm a ver com sua vocação, não trabalha por dinheiro, mas sim pela doação do seu melhor, não ingere tudo o que notoriamente é considerado droga, incluindo o cigarro, álcool e toda forma de excessos, não se endivida desnecessariamente, entre outras formas de autoviolência. Atentar para estas pequenas questões da vida é, sem dúvida, o início do caminho da verdadeira espiritualidade.
d) Devoção, investigação e serviço
Estas são as três qualidades de um verdadeiro discípulo, aquele que, de fato, quer trilhar o caminho espiritual necessário para fazer trabalhar sua fé, investigando e doando o melhor de suas forças, seja sua vitalidade, suas finanças e seu tempo. Investigar significa não acreditar simplesmente em tudo o que houve ou lê. É necessário estudar e experimentar. Formamos a nossa fé através dos experimentos e não meramente através das informações, pois a informação sem a experimentação e o serviço torna-se crença e, consequentemente, fanatismo. Por fim, o serviço consiste na ação reta ou, em outras palavras, a ação desprendida do resultado, nada almejando para si mesmo, simplesmente agindo pela missão, sem projeção do resultado, vivendo o presente. A ação há de ser boa, bela e verdadeira.
e) Renunciar ao desejo da espiritualidade
O principal e mais profundo engano em que recai todo aquele que inicialmente busca a verdadeira espiritualidade é desejá-la. Isto se explica devido ao desejo de contaminar o próprio objeto pretendido, ou seja, todo desejo é um vício da alma. Portanto, desejar a espiritualidade é a mais garantida forma de não obtê-la, já que a verdadeira espiritualidade é, em suma, o desprendimento de todo o desejo, desejo este que induz necessariamente a um concomitante apego.
f) Abraçar um ideal de vida
Por fim, todo aquele que queira levar a sério o caminho espiritual deve abraçar um ideal de vida e viver por ele. Quando digo ideal de vida não me refiro a objetivos de vida e sim a um ideal arquetípico de amor e fraternidade que, num segundo momento, conduzirá a objetivos de vida que com ele se harmonizarão. Um ideal de vida permite que exercitemos nossa espiritualidade e fornece um canal de força entre o mundo espiritual e o mundo manifestado, material, que experimentamos, e somente assim poderemos desenvolver nossos poderes latentes.
Muito embora a fórmula para a verdadeira espiritualidade possa ser colocada como geral, o caminho de cada ser humano é individual, cabendo a cada um suas escolhas, bem como, suas consequências.
“Menos oração e mais transformação.”