A autoestima muitas vezes é mal compreendida, sendo confundida com egocentrismo ou autoidolatria. Porém, são coisas absolutamente diferentes e antagônicas. Enquanto a autoestima é resultado do amor-próprio, ou seja, do amor incondicional voltado para si mesmo, o egocentrismo ou autoidolatria é ver-se como o centro do Universo. Já o homem com autoestima vê-se como parte do próprio Universo.
Ver-se como centro das coisas não é resultado do amor-próprio, mas sim da ignorância, pois o amor verdadeiro é aquele que nos coloca como parte do conjunto, que não busca o resultado da ação, pois caso esteja atrelado a um interesse próprio, não se trata de amor e sim de troca. O amor incondicional, como o próprio nome diz, não condiciona a ação ao resultado.
O amor verdadeiro une o homem ao Universo, pois amor é uma energia emanada do logus que tece a rede do Cosmo. Sendo o amor altruísta, e por isto incondicional, temos, contrário senso, que o egoísmo separa.
O egocentrismo pode muito bem ser entendido no mito de Narciso.
Narciso era filho do deus Cephisus e da ninfa Liríope e era um jovem de extrema beleza. Porém, a despeito da cobiça que despertava nas ninfas e donzelas, Narciso preferia viver só, pois não havia encontrado ninguém que julgasse merecedora do seu amor. Foi justamente esse desprezo que devotava às jovens a sua perdição. Havia uma bela ninfa, Eco, amante dos bosques e dos montes, companheira favorita de Diana em suas caçadas, que tinha um grande defeito: falava demais e tinha o costume de dar sempre a última palavra em qualquer conversa da qual participava. Um dia Hera, desconfiada – com razão – que seu marido se estava divertindo com as ninfas, saiu à sua procura. Eco usou sua conversa para entreter a deusa enquanto suas amigas ninfas se escondiam. Hera, percebendo a artimanha da ninfa, condenou-a a não mais poder falar uma só palavra por sua iniciativa, a não ser responder quando interpelada. Assim, a ninfa passeava por um bosque quando viu Narciso que perseguia a caça pela montanha. Como era belo o jovem e como era forte a paixão que a assaltou, seguiu-lhe os passos e quis dirigir-lhe a palavra, falar o quanto ela o queria… Mas não era possível – era preciso esperar que ele falasse primeiro para então responder-lhe. Distraída pelos seus pensamentos, não percebeu que o jovem dela se aproximara. Tentou esconder-se rapidamente, mas Narciso ouviu o barulho e caminhou em sua direção:
– Há alguém aqui?
– Aqui! – respondeu Eco.
Narciso olhou em volta e não viu ninguém. Queria saber quem estava se escondendo dele e quem era a dona daquela voz tão bonita.
– Vem – gritou.
– Vem! – respondeu Eco.
– Por que foges de mim?
– Por que foges de mim?
– Eu não fujo! Vem, vamo-nos juntar!
– Juntar! – A donzela não podia conter sua felicidade ao correr em direção do amado que fizera tal convite.
Narciso, vendo a ninfa que corria em sua direção, gritou:
– Afasta-te! Prefiro morrer do que te deixares possuir-me!
– Possuir-me… – disse Eco.
Foi terrível o que se passou. Narciso fugiu e a ninfa, envergonhada, correu para se esconder no recesso dos bosques. Daquele dia em diante, passou a viver nas cavernas e entre os rochedos das montanhas. Evitava o contato com os outros seres e não se alimentava mais. Com o pesar, seu corpo foi definhando até que suas carnes desapareceram completamente. Seus ossos transformaram–se em rocha.
Como castigo por ter sido causa da morte da ninfa, Narciso fora transportado a uma região de isolamento.
Era linda, cercada de uma relva viçosa e abrigada do sol por rochedos que a cercavam. Ali chegou um dia Narciso, fatigado da caça e sentindo muito calor e muita sede. Narciso debruçou sobre a fonte para banhar-se e viu, surpreso, uma bela figura que o olhava de dentro da fonte. “Com certeza é algum espírito das águas que habita esta fonte. E como é belo!”, disse, admirando os olhos brilhantes, os cabelos anelados como os de Apolo, o rosto oval e o pescoço de marfim do ser. Apaixonou-se pelo aspecto saudável e pela beleza daquele ser que, de dentro da fonte, retribuía o seu olhar. Não podia mais se conter. Baixou o rosto para beijar o ser e enfiou os braços na fonte para abraçá-lo. Porém, ao contato de seus braços com a água da fonte, o ser sumiu para voltar depois de alguns instantes, tão belo quanto antes.
– Por que me desprezas, bela criatura? E por que foges ao meu contato? Meu rosto não deve causar-te repulsa, pois as ninfas me amam e tu mesmo não me olhas com indiferença. Quando sorrio, também tu sorris e respondes com acenos aos meus acenos. Mas quando estendo os braços, fazes o mesmo para então sumires ao meu contato.
Suas lágrimas caíram na água, turvando a imagem e, ao vê-la partir, Narciso exclamou:
– Fica, peço-te, fica! Se não posso tocar-te, deixe-me pelo menos admirar-te.
Assim, Narciso ficou por dias a admirar sua própria imagem na fonte, e esquecido de alimento e água, seu corpo foi definhando. As cores e o vigor deixaram seu corpo e quando ele gritava: “Ai, ai”, Eco respondia com as mesmas palavras. Assim o jovem morreu.
Portanto, não incorramos no erro de Narciso, em se apaixonar por si mesmo e cair na armadilha de se idolatrar, pois isto é desvirtuar o verdadeiro sentido do amor. A autoestima é a paciência consigo mesmo e não a negligência ou a tolerância sem limites para consigo mesmo. A autoestima é a identificação com nosso eu superior, o eu imortal e divino, enquanto o egocentrismo é nossa identificação com nossa personalidade.
A autoestima é o primeiro passo para podermos de fato amar algo ou alguém, pois aquele que não se ama não adquiriu a capacidade de amar outrem. Lembremos do mandamento deixado por Jesus que sintetizou os dez de Moisés. “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”, portanto, pela ordem, devemos primeiro amar-nos a nós mesmos para depois amarmos o próximo.
A baixa autoestima ainda é a responsável pela ofensa, ou seja, quem de fato não aprendeu a se amar, está aberto a se ofender, inclusive por motivos chulos, já que a falta de amor a si mesmo permite uma guarda baixa e uma identificação e interpretações ofensivas de tudo o que a ele é dirigido. Tudo o ofende, as mais simples brincadeiras podem transformar-se em agressões graves, pois assim é por ele interpretada por acreditar que tudo e todos querem agredi-lo, e isto ocorre pelo simples motivo de não acreditar em si mesmo, de não ter certeza de sua própria capacidade, de não se amar como é.
A baixa autoestima, na maioria das vezes, é produto de uma educação castradora, onde não se buscou fazer com que a criança identificasse em si seus dons e sua vocação, que todos nós trazemos ao nascer. Sendo assim, essa criança cresceu acreditando-se desprovida de dons e, por isto, deixa de vivê-los, acredita-se inferior aos demais e que todos a vêem desta forma, desejando, por isto, agredi-la, por ser alguém que veio subtrair do mundo e não somar.
No fundo, a baixa autoestima provém da ignorância de si mesmo, de se acreditar despido de qualidades e, assim sendo, podemos então orientar a solução, que não pode ser outra senão o caminho do autoconhecimento. Isto o levará a compreender que todos nós somos filhos e filhas de Deus e que todos nós experimentamos, de uma forma ou de outra, os mesmos problemas, carências, vícios e dificuldades, e que todos nós trazemos uma porção de Deus. É somente por isto que podemos considerar-nos plenos e perfeitos. Desta forma, enquanto não acreditarmos firmemente nisto, seremos sempre excluídos, não pela sociedade, mas por nós mesmos.
“Conhece a ti mesmo e conhecerás o universo”