No evangelho de Matheus há uma passagem onde o discípulo Pedro, racionalizando a questão do perdão, questiona Jesus se havia um número fixo de vezes que deveríamos perdoar alguém.
“Senhor, quantas vezes tenho de perdoar se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes? Jesus então respondeu: Digo-te, não até sete vezes, mas setenta vezes sete vezes.“ (Mt. 18,32)
Ocorre que a dificuldade de perdoar é inerente ao ser humano, em especial na fase evolutiva que nos encontramos. Muitos dizem que são capazes de perdoar, porém não são capazes de esquecer e, em outras palavras, ainda guardam rancor pela ofensa da qual se julgam vítimas.
Perdoar plenamente não é fácil, pois não se trata de um ato isolado e sim de todo um contexto de virtudes a serem desenvolvidas, em especial o autoconhecimento, a aceitação e o desenvolvimento do amor próprio.
Posso elencar alguns malefícios advindos da nossa incapacidade de perdoar:
1) Adoecemos – Há muito, a Medicina tem apontado o ódio e a mágoa como sentimentos inimigos da boa saúde. Sabe-se que quando acessamos estados de ódio e de mágoa, acidificamos o nosso sangue e, consequentemente, todo o nosso sistema, o que promove um ambiente promissor para a geração de diversas doenças psicossomáticas, como gastrite, câncer, depressão, etc.
2) Mantemos portal com o passado – O fato de não perdoarmos mantém o portal aberto com o passado, o que implica nos impossibilitar de viver plenamente o presente. Não estar pleno no presente é estar alheio à própria existência, não aproveitando a sua plenitude e, consequentemente, tornando-nos ansiosos e angustiados. Enfim, não conseguimos ter prazer na vida.
3) Bloqueamos o nosso crescimento – Quando deixamos de perdoar, deixamos também de fluir. O nosso crescimento espiritual depende do quanto nos doamos e de quanto conseguimos viver plenamente o presente. Não há como desenvolver e crescer se não nos desfizermos do antigo. O apego a energias do passado não nos permite avançar, da mesma forma que alguém não consegue subir uma escada se não tirar o pé do degrau inferior para apoiá-lo no superior.
4) Mantemo-nos pobres – Toda pessoa pobre tem muita dificuldade em perdoar e quando digo pobre não me refiro simplesmente àquele que não tem uma boa conta bancária. Pobre é todo aquele que não aprendeu a entregar o seu melhor ao mundo, pois a verdadeira riqueza somente aparece quando se encontra presente a verdadeira entrega.
5) Tornamo-nos más companhias – Todo aquele que é incapaz de perdoar torna-se uma pessoa desagradável, já que se torna rancoroso, depressivo, pessimista, cheio de mágoa e rancor e acaba por contaminar o ambiente e as pessoas próximas com sua energia negativa.
6) Tornamo-nos tristes e vazios – Por ficarmos contaminados e não conseguirmos trocar a nossa energia, ela estagna, atacando o nosso corpo emocional, gerando uma tristeza crônica e um vazio que não se preenche.
De onde se origina a nossa incapacidade de perdoar?
Primeiramente podemos nos perguntar por que nos ofendemos e nos sentimos traídos e, ao buscar essa resposta, estaremos a um passo de descobrirmos a verdadeira causa que jaz por trás da nossa dificuldade em perdoar.
Sente-se ofendido todo aquele que aceita a ofensa. A ofensa, em resumo, é uma agressão ao nosso ego e por nos sentirmos contrariados em face da pseudo autoimagem que produzimos sobre nós mesmos, nos ofendemos. Em outras palavras, a ofensa somente pode ocorrer a partir do momento que nos sentimos inseguro com relação àquilo que somos, ou seja, somente nos ofendemos por não sabermos quem de fato somos.
Portanto, a cura para a ofensa é descobrir e aceitar quem efetivamente somos. A isso damos o nome de amor próprio, que advém do autoconhecimento e do conhecimento das Leis da Natureza.
A mecânica é simples. Como nos sentimos ofendidos por sequer saber quem somos, perdoar, nesse contexto, significaria dar razão ao outro e, concomitantemente, abrir mão da nossa autoimagem falsa que até então alimentávamos, ou ainda, aceitar ser contrariados significa aceitar que nem sempre temos razão.
Essa resistência do nosso ego é que se articula para que não perdoemos os outros. Na verdade, perdoar somente depende de nós mesmos, pois, em última análise, perdoar o outro nada mais é do que aceitar a si mesmo e ter a confiança que, ser melhor ou pior pessoa, é um processo natural que faz parte da evolução humana onde todos estão inseridos e cuja responsabilidade é de cada um, não podendo ser delegada ao outro.
Por conclusão, não existe qualquer outro fato que justifique a nossa incapacidade de perdoar, já que ela depende exclusivamente de nós mesmos. Perdoar está diretamente relacionado ao tamanho do nosso ego, portanto, para aprendermos a perdoar necessitamos autoconhecer-nos e colocar-nos em estado constante de gratidão.
O que é gratidão?
Gratidão é um estado de constante atividade consciente, ou seja, não existe gratidão fora da utilidade e do trabalho. Muitos se consideram pessoas gratas, porém não se colocam em utilidade para o mundo. Quando muito, são úteis objetivando sempre o seu próprio bem-estar e isso não é gratidão, mas sim egoísmo.
Ser grato é pôr-se em união e em harmonia com o Universo – é amar. O amor manifesta-se de muitas formas, porém sempre com a mesma essência zelosa, respeitosa, responsável e inteligente. A gratidão exige entrega e doação plena e, por outro lado, nos permite sermos nós mesmos e nos libertarmos das nossas falsas imagens.
A gratidão nos traz o autoconhecimento e, consequentemente, nos liberta do medo, da angústia, do sofrimento e da vida medíocre.
A gratidão e o perdão são palavras primas – uma não pode existir sem a outra. Enquanto a gratidão promove o bem, o belo e o justo o perdão permite o bem, o belo e o justo em nós mesmos.
Seja grato, perdoe e seja você mesmo.