Ícaro, filho de Dédalo, acompanhou seu pai até Creta, pois ele havia sido exilado de Atenas sob a acusação de ter assassinado seu sobrinho. Juntamente com seu filho Ícaro, também havia sido acusado, pelo Rei Minos de Creta de ter corroborado com Ariadne no plano que libertou Teseu do labirinto. Nesse contexto, Minos condenou tanto Dédalo quanto Ícaro à prisão no labirinto.
Uma vez presos, Dédalo, que havia ajudado na construção do labirinto que aprisionou o minotauro, sabia que seria impossível sua fuga. Daí sua genialidade foi colocada a prova e, superando-se, teve a ideia de construir um par de asas de madeira onde, utilizando-se de cera de abelhas, colou penas de pássaros. Assim, puderam alçar voo.
Porém, antes de iniciarem a fuga, Dédalo orientou Ícaro para sempre voar a meia altura, nem muito baixo, pois as asas poderiam se encharcar com a água do mar nem muito alto, a fim de evitar a proximidade do Sol que, certamente, derreteria a cera.
Uma vez em fuga, após uma boa parte do trajeto ter sido percorrida, Dédalo perdeu seu filho de vista, pois Ícaro, encantado com a possibilidade de voar, esqueceu-se das orientações do pai e alçou as alturas acima das nuvens, tendo a cera derretida pela proximidade do Sol. Em consequência, caiu no oceano e faleceu.
O mito resumidamente apresentado acima possui sete chaves de interpretação, porém, neste artigo, tratarei de três delas, e me utilizarei da divisão grega que apresenta as três grandes referências Nous, Psique e Soma, e que são atinentes ao Mundo Espiritual, ao Mundo Psicológico e ao Mundo Material, senão vejamos:
1) Das Leis Espirituais (Nous) – O mito faz referência ao caminho discipular de todo homem que acorda para a verdadeira espiritualidade. Trata da busca pelo estado de liberdade, no caso representado pelo voo, que também referência as capacidades latentes do homem que vão aos poucos se desenvolvendo de acordo com a necessidade do momento. O Sol, neste caso representa a Luz, a Sabedoria, que jamais deve ser buscada. Para tanto, o mito pune Ícaro com a morte por ter ascendido voo além do limite, demonstrando que o discípulo não deve sair repentinamente da caverna, assim como bem nos ensinou o mestre Platão no Mito da Caverna.
O mito também mostra a queda do discípulo da senda, ocasionada pelo encantamento com a sabedoria, que traz à tona o vício da vaidade, da presunção e da ganância, e da falta da paciência.
Extrai-se ainda do mito o ensinamento sobre a importância da obediência à hierarquia ou ordem sagrada, pois, uma vez que Ícaro desobedeceu às orientações de seu pai, que representa o mestre, rompeu com a hierarquia, de forma que saiu do caudal de energia cuja rota seria horizontal. Rompendo a hierarquia, ele enfraqueceu, decaiu e faleceu.
Ainda se extrai o ensinamento de que, embora um discípulo ou mesmo o mestre se desvie, o outro não deve esmorecer e segui-lo na queda, pelo contrário, deve continuar seu caminho espiritual, já que cada um tem o seu, muito embora o ponto de chegada seja único.
2) Das Leis Psicológicas (Psique) – O mito também nos ensina sobre o comportamento da psique humana. Quando se refere ao labirinto, faz analogia às sombras da psique, uma vez que Dédalo era o engenheiro responsável pela criação do labirinto e um dia se viu preso dentro de sua própria construção. Com isso, o mito quer nos ensinar que nós criamos nossas sombras que, ato contínuo, terminam sendo o instrumento que nos aprisiona pelo viés das debilidades psicológicas como o medo, a projeção da culpa, o comodismo, a indolência e outros vícios que acabam por influenciar e determinar as escolhas que fazemos continuamente em nossas vidas.
Ensina, ainda, sobre o livre arbítrio que nos permite inclusive fazer escolhas contrárias a nossos interesses, porém, inexoravelmente, colheremos os resultados dessas escolhas, sejam elas boas ou ruins.
3) Das Leis Materiais (Soma) – Quanto aos aspectos mais concretos, o mito nos reporta à responsabilidade sobre a paternidade e/ou maternidade, já que, uma vez responsáveis por nossos filhos, devemos oportunizá-los e permitir-lhes terem suas próprias experiências para, então, poderem amadurecer e tornarem-se capazes de realizar seus sonhos, inclusive conquistar a independência material. No mito, Dédalo acaba por fazer todas as tarefas, desde a ideia até a confecção das asas, sem a participação de seu filho, que acabou por perder suas referências básicas materiais e alçou voo nas alturas, o que acabou ocasionando sua morte. Na verdade, Ícaro não estava preparado nem havia sido devidamente treinado e orientado pelo pai. Esta alusão simbólica, repete-se constantemente nos fatos da vida. Veem-se heranças serem rapidamente consumidas por uma geração de herdeiros despreparados e descompromissados, filhos dilapidando o patrimônio dos pais ou, ainda, filhos que não desenvolveram maturidade emocional por terem sempre sido abastados materialmente e que, por conseguinte, desconhecem o valor das coisas, além de não saberem reagir às contrariedades da vida.