Um dos maiores desafios da nossa vida é aprender a lidar com as perdas, sejam elas de cunho material, ideias, pessoas ou fama e, por mais que ouçamos algumas pessoas insistentes discursar que são desapegadas e que estão preparadas para enfrentar tais perdas, a verdade é que todos nós, em alguma medida, ainda carregamos o peso do apego e, ao mesmo tempo, a missão de nos superar, caso contrário não estaríamos encarnados.
Digo isso pelo fato de que a filosofia budista apregoa que somente atingiremos o estado completo de iluminação, e consequentemente o direito de adentrarmos no Nirvana, após rompermos a roda do samsara, que significa em termos comuns a sequência de reencarnações de Atma ou do espírito em suas manifestações no mundo material. Porém, esse estado elevado de consciência somente é atingido por aquele que trabalhou em si o total desapego e desidentificação com as formas que habitam o mundo material.
Partindo da premissa de que a assertiva supra seja de fato verdadeira, podemos concluir que temos como desafio comum o trabalho de nos superarmos quanto ao apego e as tramas do desejo que permeiam nossa mente concreta.
Cabe-nos, primeiramente, tecer uma análise um pouco mais aprofundada do que de fato seja o apego e por que sofremos tanto com as situações que envolvem perdas e também como lidar com elas.
Portanto, o primeiro passo está em reconhecermos que, em grande medida, boa parte do nosso sofrimento diário deve-se a não sabermos lidar com as perdas e, por consequência, geramos o sofrimento ou, em outras palavras, causamos um desconforto à nossa psique, o qual chamamos de “dor”.
O sofrimento ou a dor é sempre diretamente proporcional ao apego por nós carreado ao objeto, ideia ou pessoa. O sofrimento é gerado pela resistência que impomos em abrir mão de uma condição anteriormente conquistada. Todavia essa resistência ocorre tanto em função do desejo projetado pela ilusão de “posse” quanto, concomitantemente, pela nossa ignorância sobre as Leis da Natureza.
A ilusão da posse advém do nosso egocentrismo, que acredita poder preencher suas carências através do “ter”, e parte desse fato o nosso impulso de possuir tudo o que podemos, consumando-se em um hábito, uma necessidade de ter cada vez mais, de ser o dono das ideias, de ser conhecido, ter fama, poder e dinheiro; tudo isso em verdade constitui-se apenas de uma ilusão. Ocorre que, por acreditarmos nisso, a ilusão torna-se realidade e passamos, então, a distorcer a nossa relação com a matéria e iniciamos um processo de identificação, ou seja, criamos uma pseudo realidade em nossa mente, onde a nossa própria imagem passa a associar-se às nossas ideias, nossas posses materiais, amigos e parentes, ou seja, confundimos nossa verdadeira identidade com as energias de tudo o que acreditamos possuir, surgindo desse fato uma falsa imagem de nós mesmos.
O processo de identificação divide-se em três partes: o interesse, a assimilação e, por fim, a acomodação.
O interesse – Advém do contato com tudo o que nos agrada, aquilo que é semelhante a nós. Buscamos sempre ter o que gostamos e o que traz uma relação com o momento da vida que nos representa, sendo influenciados tanto pelas nossas próprias particularidades como também pela opinião e gosto comum. Este interesse é movido pela ambição.
A assimilação – É marcada por tudo aquilo que se mantém, é o que fica, aquilo que acaba apresentando laços vivos devido a nossa identificação possuir diversos níveis de ligação. Trabalha em conjunto com a nossa memória e tem a ver com a quantidade de energia que despendemos com relação ao objeto, pessoa ou ideia. Observe que não há sofrimento quando se perde algo cuja energia de ligação se esvaiu, seja um objeto ou uma pessoa ou mesmo uma ideia. Assim, algo cuja perda num dado momento poderia causar muita dor, em outro momento nada representa e, portanto, não gerará sofrimento.
A acomodação – É a fase onde incorporamos em nossa vida a presença do outro, do objeto, coisa ou ideia, consolidando uma nova estrutura da nossa personalidade. É a fase onde, ao mesmo tempo em que nos habituamos a esta nova realidade, também nos confundimos com ela. Podemos dizer que é exatamente aí que reside toda a problemática do sofrimento, pois é exatamente desta falta de discernimento sobre quem efetivamente somos que advém a nossa resistência em abrirmos mão das “perdas”, se é que de fato podemos afirmar que existam.
Heráclito, filósofo pré-socrático (535 a.C e 475 a.C) afirmava que “tudo flui e nada permanece” e que “um homem não se banha duas vezes no mesmo rio, pois tanto o rio quanto o homem já não serão mais os mesmos.” Afirmava, ainda, que nada é permanente e que se existe algo que é permanente, é a necessidade de que tudo mude.
Portanto, nossa segunda causa do sofrimento em resistirmos a não abrirmos mão das perdas é a nossa ignorância sobre a natureza de todas as coisas, pois tudo é regido pela Lei da Impermanência, sendo inexorável a perda da juventude, a perda de amigos e parentes, a perda de dinheiro e da própria vida.
Destarte, saber lidar com as perdas exige de nós o trabalho constante para elevação da nossa consciência, para entendermos e aceitarmos a Lei da Impermanência, bem como, para desapegar-nos de tudo o que aparentemente possuímos.
Nossa dificuldade em lidar com as perdas tem como causa remota a nossa consciência que está mais focada no “ter” do que no “ser”. Nosso desejo em ter mais e mais, associado à perda de memória de que somos meros administradores daquilo que nos cerca e não supremos possuidores, estimula nosso apego e, por conseguinte, gera dor quando somos subtraídos das nossas posses.
Toda perda acaba gerando um estado de sofrimento interno, exigindo um tempo onde se transcorre um processo de amadurecimento frente a esta nova realidade. Assim como um ferimento sofrido na pele passará, necessariamente, por um processo de regeneração até que por fim, transcorrido o tempo justo, venha a restabelecer seu estado de equilíbrio, o qual chamamos de cura.
No diapasão do exemplo físico supracitado, a perda provoca um ferimento psicológico, exigindo o tempo do luto. Para melhor entendimento do processo de cura psicológico elencamos, em seguida, as cinco fases do luto, que ocorrem inexoravelmente ante todas as perdas que julgamos importantes, sejam elas por morte em família, separação de um casal, perda de um emprego, um roubo ou furto, uma doença grave ou, ainda, qualquer perda que venha a gerar um estado de sofrimento. Adiantamos que o tempo de transcurso de cada fase, bem como o sofrimento gerado, vai depender de cada pessoa e do fato em si, ou seja, a duração do luto é por tempo indeterminado e relativo, podendo, frente a um mesmo fato, para uma pessoa perdurar por uma hora e para outra por dez anos. São as fases:
Negação – Esta é a primeira fase do luto, quando o agente tende a negar que aquilo seja com ele, não aceitando e refutando o fato.
Revolta – Agora que percebeu que o fato é com ele mesmo e que não adianta se esquivar, entra na fase da revolta, fase esta quando se pergunta por que comigo? por que eu? É muito comum nos colocarmos na condição de vítimas.
Barganha – Transcorrida a revolta, passa a procurar uma saída. Normalmente procura barganhar com Deus, ou com quem quer que seja, orando, implorando, sempre tentando buscar uma solução de negociação a fim de fugir da dor a ele imposta. Como exemplo, para evitar uma separação, pode pedir perdão ao cônjuge numa relação sob a condição de não recair no mesmo erro, etc.
Depressão ou tristeza – Esta quarta fase é tão necessária quanto importante para o processo de cura, pois o agente percebe que não adiantou negar, revoltar-se ou tentar barganhar, pois nada resolveu a questão. Quando cai em si de que o problema não tem solução, consequentemente, foge da realidade entrando na tristeza, e pode até, em casos mais agudos, entrar em um processo depressivo, dependendo sempre das ferramentas psicológicas que cada um possui ao seu dispor e também do fato em si.
Aceitação – Esta é a quinta e última fase do luto, onde já corroído e cansado da tristeza e da depressão, o agente acaba finalmente aceitando o fardo da perda e passa a partir daí a se reestruturar e se adaptar à nova realidade. É a fase da entrega e da cura.
Não é incomum muitas vezes não conseguirmos evoluir nas cinco fases do luto e nos fixarmos em uma delas por anos. Um exemplo é alguém que, independentemente do tempo transcorrido de um fato que lhe tenha causado uma perda, ainda se encontra revoltado com a morte de um ente querido e se fixa na fase da revolta ou da depressão, mantendo, com isso, um sofrimento constante, perdendo o entusiasmo pela vida. Em outras palavras, são aqueles que não conseguem enterrar os seus mortos, o cargo perdido, o noivo que se recusou a casar, o emprego anterior, etc.
Portanto, podemos concluir que a cura está sempre no autoconhecimento e na nossa atitude de nos autoconstruir com as experiências da vida, sejam elas prazerosas ou indesejáveis, pois todas sem exceção nos mostram o caminho para aprendermos a amar incondicionalmente.
O contrário do apego é o amor!