Conta uma antiga lenda que um andarilho em busca de sabedoria caminhava pelo Tibete à procura de um mestre que fosse capaz de responder a sua maior indagação que ainda não tinha sido satisfeita por outras filosofias e mestres, pois a todos a quem perguntava como deveria ser o homem obtinha respostas sobre regras de conduta, mandamentos, leis, disciplinas e outros, que, no entanto, nunca o satisfaziam, pois buscava saber qual seria o caminho da evolução e da pureza. Um dia, quando caminhava por uma pequena vila, perguntou a um lenhador se ali havia um mestre que pudesse ser consultado e lhe disseram que não havia nenhum mestre, porém, o homem mais sábio da vila era um produtor de especiarias muito bem-sucedido.
Assim, o andarilho foi à sua presença e se deparou com um sítio e uma bela entrada, um grande jardim bem cuidado com cerca e um espaço para cada animal; chegando à casa, esta não era muito grande, porém era bela e bem cuidada. Assim que se aproximou da casa, o bem-sucedido produtor saiu e o recebeu muito bem; estava bem vestido e o interior da sua casa era muito bem arrumado. O andarilho logo lhe perguntou qual era o segredo de tanto sucesso, pois a impressão que tivera de tudo quanto tinha visto havia sido muito boa. O produtor disse-lhe que não havia segredo, pois ele somente fazia aquilo que deveria fazer, e logo o andarilho percebeu que enfim poderia obter a resposta à sua antiga questão e abriu seu coração dizendo que estava ali em busca de uma resposta e, sob a concordância do produtor, lançou-lhe a pergunta: “Como deveria ser a conduta de um homem e qual o segredo do caminho para a purificação?”
Após uma respiração profunda e um curto intervalo de silêncio, o produtor perguntou-lhe se achava que ele estava bem vestido e este respondeu que sim, que foi uma das primeiras coisas que percebeu. Então o produtor tirou a bata e a vestiu do avesso e novamente perguntou-lhe? “E agora o que acha? Ainda estou bem vestido?” E o andarilho disse-lhe sem pestanejar “Claro que sim, eu praticamente nem perceberia se o senhor tivesse me atendido assim vestido ao avesso.”
Então disse o produtor: “Olhe, este é o segredo, mantenha o seu avesso tão bonito quando o lado de fora!”
Cada dia mais estamos vivendo um mundo de aparências, uma vida hipócrita, onde pensamos algo, falamos coisas desconexas, sentimos em outra frequência e nossas ações são desalinhadas com a nossa efetiva natureza humana; vivemos das aparências, preocupados em declarar ao mundo aquilo que gostaríamos de ser e não o que efetivamente somos, e convencer as pessoas daquilo que sequer nós acreditamos, de maneira que vivemos das aparências ao mesmo tempo que desprezamos nosso verdadeiro “ser”.
A pureza de coração se inicia com um mergulho para dentro e não para fora. Vamos encarar as nossas costuras malfeitas, o avesso da nossa alma, onde construímos um local seguro e propício no qual habitam os nossos demônios, as nossas sombras que são protegidas com a nossa forma hipócrita de viver; a nossa própria superficialidade se incumbe de camuflar as nossas impurezas, já que nos impede de enxergá-las. O grande problema é que são exatamente esses demônios que habitam nossas sombras que ditam o nosso comportamento externo, o qual tanto nos preocupamos em maquiar para o outro, sempre preocupados em agradar ao outro, em nos mostrar felizes, gratos e resolvidos, quando, na verdade, somos poços de problemas para os quais não encontramos efetivas soluções.
O nosso avesso pode ser visto quando estamos longe dos olhos do coletivo e aparentemente sozinhos – é quando deixamos que o nosso avesso se manifeste e nos desmascare. Por esse motivo, cabe aqui a pergunta: “Como você se comporta quando está sozinho?” Esse é o seu avesso! Normalmente somos uma pessoa quando estamos acompanhados e repletos de interesses. Assumimos o papel de manipuladores ocultando quem efetivamente somos e adequamos nossa conduta aos nossos interesses de momento, mas sempre nos esforçando, fiscalizando-nos e procurando manter a aparência que julgamos adequada ao momento. No entanto, uma vez longe dos olhos alheios, assumimos o nosso avesso e mudamos o nosso comportamento e, no nosso íntimo, tomamos decisões inadequadas, egoístas e destrutivas ao mundo e a nós mesmos.
Portanto, procure encarar suas sombras sem guerrear com elas, aceite-as e busque solucioná-las com inteligência e gratidão, pois são elas que possibilitarão fazer surgir o melhor de você.
Como está o seu avesso?