Coisa comum hoje em dia é ouvir e ver as pessoas de uma forma geral queixarem-se da vida, seja do trabalho, dos amigos, da falta de dinheiro, da saúde, e por aí afora, como se as queixas reiteradas tivessem o poder de amenizar as dores e o inconformismo de cada um. Se for perguntado a cada um deles a quem atribuir a culpa por tudo o que consideram de ruim em suas vidas, certamente ouviremos que a culpa é do chefe, da esposa, dos filhos, dos amigos, vizinhos ou, ainda, da falta de sorte que os atinge. Nunca ouviremos de um não filósofo que a culpa é dele próprio.
Mas de quem de fato é a culpa pelas adversidades da vida ou, ainda, por todas as coisas boas e ruins que nos acontecem?
Nesta reflexão devemos partir de um raciocínio superior e tentar entender, na nossa medida, quais são os atributos de Deus. Já que não temos como compreendê-lo, ao menos entendamos como funciona a sua manifestação, de sorte que tenhamos uma noção do ser superior, daquele que tudo originou e tudo rege.
Uma indiscutível qualidade de Deus é a justiça, se assim podemos chamar, porque, conforme o mestre Plotino, a Divindade não tem qualidades, pois atribuir qualidades significa, por lógica, atribuir defeitos ou, ainda, que a qualidade por poder ser possuída estaria fora da Divindade. Entretanto, tomemos neste caso a virtude da justiça como uma forma de manifestação divina.
O que devemos entender, então, por justiça?
Segundo o mestre Platão, justiça é “atribuir a cada um o que de fato lhe é próprio”, ou seja, dar a cada um o que merece, o que precisa e não o que deseja. Entretanto, sob o nosso referencial – de quem está envolvido na matéria e, em maior ou menor grau influenciado pelos prazeres e pela dor que nos impõe a nossa encarnação – somos sempre levados a não entender o todo e sim apenas parte dele. Isso nos faz desejar o que achamos que é o melhor, porém, nem sempre o é de fato, já que nossos desejos são personalísticos, de forma que pedimos e buscamos o que convém à nossa personalidade, achando que é o melhor para nós, porém, normalmente não o é porque somos portadores de desejos contaminados pelas tendências da personalidade.
Somos como a criança que pede doces para a mãe na quantidade e hora impróprias, pede e busca isso sem o conhecimento do mal que possa afligi-lo, acha que a negativa da mãe é um ato de injustiça. Seu desejo desmedido e sua falta de consciência impedem-na de entender o que é justo. Em outras palavras, a ignorância cega-nos para a justiça.
Pedir doces é o que fazemos diariamente e que, por um princípio de justiça, nos é negado, ao passo que um dia nos serão concedidos todos os doces do mundo, num banquete onde não mais será necessária a presença da mãe, pois a nossa própria consciência far-nos-á agir pelo dever e não pelo prazer, de forma que somente nos serviremos da quantidade justa do que precisamos.
Temos de entender que, se não temos o que queremos é porque não estamos preparados para isso. Na verdade, não fizemos ainda por merecer, muito embora pareça que a culpa seja de quem nos nega.
Ninguém é bom juiz em causa própria, pois, como já dissemos, nossas tendências egoísticas não nos permitem um juízo de valor independente e imparcial, temos sempre de achar um culpado para o que nos acontece e sempre o achamos, seja ele quem for. Por mais absurdo e frio que pareça ser, toda a dor que a nós se apresenta tem suas raízes em nós mesmos e, por conclusão, somos o nosso próprio algoz.
Não fosse assim, Deus seria injusto, pois, como poderia um ser supremo, o qual é o responsável por toda a criação, permitir tais injustiças? Não é a dor um veículo de consciência? Como afirmado por Buda em sua doutrina, que sabiamente nos ensinou que toda a dor resgata o homem, no fundo tudo o que nos acontece de amargo tem um único propósito: o de nos fazer enxergar algo em nós que ainda não enxergamos, algo que não está conforme a grande Lei Natural, algo que precisamos corrigir em nós. Esses são os entraves em nossa vida que, na maioria das vezes, não entendemos. Ficamos hipnotizados pelos efeitos e esquecemo-nos de buscar a causa.
A dificuldade em fazer as coisas nunca está nela mesma, sempre em quem as faz. Por isso, dizemos que não existem coisas impossíveis, mas sim impossibilitados ou, ainda, que não existem coisas fáceis ou difíceis, mas sim existem coisas que sabemos e que não sabemos fazer. Esta é a magia da vida: buscarmos a alquimia interna frente a cada obra e a cada dificuldade, por mais simples que pareça ser e, se de fato resolvermos nossos entraves internos, automaticamente afastaremos as futuras dificuldades, já que não há mais o que aprender em relação àquele aspecto. Isso significa crescer, pois, a cada prova vencida surgirá uma nova que exigirá um pouco mais de nós mesmos.
Vencer uma prova não significa tê-la dominado, mas sim termos dominado nós mesmos, pois o objetivo fim não é a prova em si, mas o que devemos aprender com ela e isso explica a repetição das provas em nossas vidas, porque quando não entendemos que a solução está em nós mesmos, damos a solução na forma do problema, ou seja, corrigimos o que está errado apenas no campo material, no externo. Assim, não tendo a prova atingido seu objetivo, que é proporcionar-nos a evolução, ela voltará por obediência à Lei da justiça divina, porém, na grande maioria das vezes, volta com outra “cara”, como se apenas mudasse sua máscara e, na nossa ignorância, deixamos de reconhecê-la e isso faz a enorme diferença entre alguém que sofre pelos problemas e alguém que evolui pelos problemas.
Na nossa ignorância, ainda não enxergamos que nossos problemas nada mais são que a lição de casa a nós imposta por Deus e, se temos a lição, é porque ainda não sabemos o que deveríamos saber, pois, à medida em que formos aprendendo, entenderemos que o dia de amanhã depende de nós mesmos. Entenderemos, também, que a Lei de Ação e Reação que rege o Cosmo na verdade é um princípio de justiça divino, de forma que somos hoje o resultado do que fizemos ontem. Por mais que não consigamos enxergar a lógica, nossas ações, pensamentos e palavras geram uma reação no meio, de igual proporção, tanto no que tange à força da reação, como também na qualidade e, dessa forma, geramos um karma positivo ou negativo, que no fundo é simplesmente o resultado do nosso comportamento.
Por isso, não devemos reclamar da vida, mas sim agir sobre ela, agir trabalhando nossas virtudes, procurando a cada dia pôr a ética em nossas vidas, agir mudando-nos a cada dia e não querendo mudar o outro, pois, por mais que não entendamos o que nos acontece ou o que acontece à humanidade e, por mais injustiçados que possamos nos julgar, podemos ter certeza de uma coisa: TUDO ESTÁ EM SEU DEVIDO LUGAR.