Segundo o dicionário etimológico, a palavra fidelidade origina-se do latim fidelitas pelo latim vulgar fidelitate, que é o atributo ou a qualidade de quem é ou do que é fiel (do latim fidelis) para significar quem ou o que conserva, mantém ou preserva suas características originais ou quem ou o que se mantém fiel à referência.
Creio que não seja novidade alguma afirmar que vivemos em uma sociedade absolutamente superficial, onde se fala muito de amor porém quase ninguém o vive. Falamos muito de Deus e usamos expressões que o incluem, porém não o incluimos em nossas vidas. Fazemos listas de amigos nos aplicativos de relacionamento, porém na necessidade, com muita sorte, podemos contar com um ou outro. Todos se dizem felizes, no entanto, entre quatro paredes sofrem e choram a dor da solidão. Nosso facebook não reflete a realidade, a hipocrisia reina, as máscaras são trocadas dezenas de vezes ao dia, enfim, nossa supercialidade abrange todas as facetas da vida.
Neste artigo vou tratar especificamente de uma qualidade que, como tantas outras, se encontra imersa na nossa hipocrisia cotidiana: “a fidelidade”.
No contexto comum, todos se julgam fiéis, no mesmo diapasão que se consideram justos, honestos, bons, generosos, etc. Todavia, certamente o conceito de fidelidade no qual nos apoiamos para tecer nossos julgamentos encontra-se distorcido e, ironicamente, infiel a seu sentido original.
Para ser didático, vou dissecar a aplicabilidade do sentido da palavra a fim de poder tecer um raciocínio lógico e aprofundado do tema.
A fidelidade, no sentido horizontal que permeia o senso comum, é uma fidelidade mundana, pois vincula-se a uma relação personalística e formal e de interesses entre duas ou mais pessoas, ou seja, eu cumpro a expectativa que a sociedade me impôs conforme seus valores comuns. Assim, forjo o comportamento de um amigo fiel, de um marido fiel, de um empregado fiel, e assim por diante. A questão é que a minha fidelidade não se vincula a valores elevados, mas simplesmente a uma formalidade temporal que pode ou não ser justa.
Um exemplo mais explícito seria o delinquente que jura fidelidade a um grupo do crime organizado e que pode seguir uma conduta exemplar e ser o mais fiel dos seguidores desse grupo mafioso que se dedica ao crime e à contravenção penal.
A partir do exemplo supra, podemos ensaiar esses exemplos em menor conta nas nossas vidas quando pensamos estar agindo com fidelidade, mas, na verdade, estamos simplesmente tentando ser aceitos ou agindo pela nossa vaidade e ignorância e meramente cumprindo formalidades sociais ou, ainda, tentando agradar as pessoas – e damos a isso o nome de fidelidade.
Nesse sentido, todos nós somos traidores, pois quem nunca descumpriu uma palavra dada? Quem nunca quebrou uma promessa? Quem nunca se traiu fazendo aquilo que prometeu a si mesmo nunca mais fazer? Ou ainda, mesmo que tenhamos feito a coisa certa, a fizemos pelos motivos supra elencados no parágrafo anterior.
Fidelidade não se compreende dentro de uma forma. A verdadeira fidelidade faz-se acompanhar de outras virtudes como a confiança, a fé, a gratidão e a hierarquia. Ser fiel não se restringe a cumprir a palavra dada, pois fidelidade exige antes de tudo direção e conexão com o superior. O verdadeiro ser fiel é aquele que compreende as leis naturais e não trai a sua natureza humana, não trai a Lei e por isso é leal.
A fidelidade pode ser conquistada, porém pouco a pouco – é um processo lento, vagaroso, um tijolo por dia. Assim, ao longo de muitas vidas vamos firmando a nossa fidelidade.
A Bíblia nos conta a história de Jó que, testado pelo diabo, perdeu a família, os empregados, o gado, a propriedade e, por fim, a saúde, porém, se manteve fiel a Deus e mais tarde recuperou tudo e algo mais.
A verdadeira fidelidade calca-se na confiança e consiste no fio que nos une ao nosso verdadeiro Ser. Esse fio é a fé e é a nossa conexão com a essência divina que nos habita e da qual nos esquecemos. Por conta disso, reduzimos o conceito de fidelidade a uma mera relação entre duas pessoas ou mesmo a uma ideologia e nos esquecemos de questionar sobre o verdadeiro sentido da nossa existência.
Ser fiel é muito mais que obedecer a ordens ou cumprir promessas. A fidelidade aloja-se além das formas e das formalidades. Não se pode ser leal a um ideal vazio. A existência da fidelidade e/ou lealdade está, necessariamente, condicionada à aceitação de um verdadeiro Ideal de Vida. Portanto, nossa fidelidade pode ser dimensionada tendo em vista o quanto, de fato, vivemos esse Ideal.
A infidelidade se faz presente quando perdemos a essência e esquecemos do porquê estarmos fazendo as coisas e mais que isso, perdemos a fé na mesma medida que nos afastamos do Divino.
Enquanto os medíocres, falsos mestres e falsos religiosos, se curvam à quantidade de seguidores, ao poder, à fama e ao dinheiro, o homem leal curva-se exclusivamente à sua missão e à Lei – isto é fidelidade.
A confiança é o fio da alma que nos conduz ao nosso verdadeiro Ser. É a chave da porta que nos leva à verdadeira espiritualidade.
“Confiança é a certeza sobre coisas que não podemos demonstrar nem verificar.” (São Thomás de Aquino)
Confiança, portanto, é o atributo da fé, que por sua vez reflete-se na verdadeira fidelidade. Daí se deduz que não há como ser fiel sem confiar nas leis naturais que regem toda a existência.
Confie e trabalhe.
Entre as virtudes cristãs, encontramos catalogados dois grandes grupos:
Um discípulo é o filósofo que se desiludiu da busca da sabedoria e por isso está pronto para seguir o caminho da verdadeira espiritualidade, porém, impõe-se uma exigência: há de ter a semente da fé/fidelidade, caso contrário sucumbirá.
Muitos incautos atiram-se no caminho discipular, porém não se sustentam. Um dos principais motivos é exatamente a ausência da semente da virtude teologal FÉ. Muito embora ela possa ser desenvolvida, já que se não o fosse contrariaria a própria Lei da evolução espiritual, seu desenvolvimento é lento e leva encarnações. Não há como plantar a semente e acelerar o seu processo de germinação uma vez que isso seria como forçar um botão de rosa ou um casulo de borboleta, pois, não obstante ser inexorável o seu destino, tudo deve ocorrer no seu devido tempo.
Daí a explicação que, mesmo convivendo com discípulos, iniciados, mestres espirituais, ou mesmo avatares, quando muito esses pseudodiscípulos podem imitá-los em algumas formalidades, porém, sem a fé, não fazem a conexão desejada, portanto, não evoluem como deveriam e, na maioria das vezes, ganham apenas mais uma máscara e passam a vagar como pseudogurus.
Diz-se leal aquele que cumpre a Lei, do latim “legalis”. Lealdade, portanto, é a qualidade daqueles que são confiáveis, pois possuem compromisso, responsabilidade, retidão de conduta, honestidade, honra e decência.
Destarte, a verdadeira lealdade é sinônimo de fidelidade, pois ativa-se no cumprimento da lei natural e não da lei formal, mantendo-se sempre fiel à sua essência. Para alguém fiel e leal, fazer o correto não é uma opção, é a regra.
A fidelidade é uma das virtudes da trindade, sendo a trindade as três forças primárias através das quais a Grande Consciência Cósmica se manifesta. Atribui-se a cada uma delas um número, uma cor e uma virtude, senão vejamos:
Da mesma forma que sem fidelidade não pode existir unidade, sem hierarquia não pode existir fraternidade ou caridade e sem o espírito da gratidão não há esperança.