Uma das grandes ciladas que envolvem nossa existência, sem dúvida, é a que menos nós desconfiamos. Todos nós, sem exceção, temos uma autoimagem formada que usamos para nos compararmos com os demais ou, ainda, para nos apresentarmos socialmente.
Ocorre que esta autoimagem, apesar de possuir alguma função no mundo manifestado e ser pertencente a uma fase do nosso desenvolvimento espiritual, traz algumas nuances das quais devemos estar cientes e atentos para que não corramos o risco de nos permitirmos cair em engano e limitações arquitetados por nosso próprio Ego.
Primeiramente, cabe salientar que toda autoimagem que fazemos, por mais fidedigna que nos possa parecer, é falsa, o que explicaremos logo abaixo. No entanto, há uma situação anterior que vale ressaltar, já que a autoimagem, apesar de ser sempre inverídica, possui estágios e propósitos que compõem os instrumentos evolutivos do homem, a saber:
1) Estágio da autoimagem fantasiosa – Este estágio da nossa autoimagem beira a loucura, pois não se firma através de uma auto-observação sincera, mas sobre uma fantasia que projeta aquilo que gostaríamos de ser, porém não somos. Desta forma, julgamo-nos amorosos, não violentos, generosos, excelentes amigos, pais e companheiros, porém, em verdade deixamos muito a desejar. Falta-nos o poder de auto-observação e senso crítico e sobra-nos vaidade, pedância, arrogância e orgulho. Assim, sob um solo onde não há humildade, nossa autoimagem é absolutamente deformada do que podemos chamar de realidade, podendo, em alguns casos mais severos – porém não tão raros, chegar ao delírio, ou seja, de tanto acreditarmos nesta falsa imagem passamos a vivenciá-la ilusoriamente, ocasião em que nos tornamos absolutamente reféns das nossas fantasias.
2) Estágio da autoimagem momentânea ou temporal – Este estágio é, claramente, pelo menos um degrau ascendente ao anterior, pois já neste estágio somos capazes de promover uma autoanálise mais sincera de nossa própria personalidade, o que resulta numa consciência sobre nós mesmos mais próxima da realidade. Neste estágio, podemos perceber o quanto somos de fato egoístas ou o quanto resistimos a cumprir nossa missão de seres humanos e como frequentemente corrompemos a nossa natureza humana agindo opostamente às Leis da Natureza, num processo de autossabotagem.
Esta fase apresenta-se como necessária uma vez que este estágio nos permite o desapego de algo que não somos e, consequentemente, o início de um trabalho de autoconstrução em busca do nosso verdadeiro SER a partir da desconstrução das fantasias oriundas da nossa personalidade egóica, o que nos permite ao menos libertar-nos do nosso estado de delírio advindo do mergulho nas profundezas dos estágios ilusórios.
Nós a denominamos de autoimagem momentânea ou temporal em decorrência desta estar sempre sujeita a alterações, já que mudamos todo o tempo, e este estado de mutabilidade acaba por revelar-nos que toda autoimagem é, em última análise, produto das nossas fantasias e, portanto, falsa já que ainda não coincide com nossa essência espiritual que é atemporal e imutável.
No caminho da sabedoria, um dia haveremos de perceber que mesmo o estágio da autoimagem momentânea ou temporal, embora se apresente mais realista ao nosso atual estágio de desenvolvimento de consciência, por si mesmo, não é capaz de nos imputar o nosso total desenvolvimento, visto que ainda está contaminado com o desejo de ser e todo desejo gera por si mesmo o apego que nos cerceia o avanço no nosso desenvolvimento espiritual rumo à condição de “iluminados”, ou seja, passa, então, a ser inexorável galgarmos um terceiro estágio:
3) Estágio do SER – Sou o que sou. Este estágio promove, ou melhor, advém de uma desidentificação com nossa própria personalidade, onde agora nossa consciência se encontra no verdadeiro SER que de fato somos e que sempre fomos e que sempre seremos. Agora não existe mais a autoimagem, pois esta sempre é criada no campo da fantasia e não no da imaginação. Nossa imaginação, que transcende nosso NÃO SER, avança no SER, nos arquétipos, na verdade e na atemporalidade. Assim sendo, toda autoimagem, por mais realista que possa ser quanto ao nosso momentâneo estágio de desenvolvimento espiritual, não deixa de ainda estar no campo da ilusão, calcada naquilo que não somos nós, não obstante não negarmos que no nosso atual estágio de desenvolvimento espiritual ainda necessitamos da nossa personalidade e da nossa autoimagem, mesmo que temporal e momentânea.
Simplesmente seja o que você é, sem julgamentos, sem desejos e, sobretudo, sem culpa.