Temos nos deparado quase todos os dias com pessoas frenéticas, muito preocupadas em aproveitar bem a vida, ansiosas pela proximidade do final de semana, contando no calendário a quantidade de feriados e as possibilidades de emendá-los ou, ainda, fazendo contagem regressiva para as tão esperadas e merecidas férias ou até mesmo aguardando a aposentadoria, ocasião em que poderão, então, aproveitar a vida.
No entanto, cremos que tudo isso não passa de mais uma das armadilhas e laços da ilusão que nos envolve na matéria, nos cega e nos escraviza, não nos deixando viver intensamente a vida em cada um dos seus maravilhosos momentos, pois estamos sempre tentando viver, em parte, o futuro.
Trabalhar aguardando o final de semana é dividir-se, é não estar inteiro no que se faz, é desperdiçar parte da nossa já escassa energia prânica. Ora, alguém que busca o conhecimento e a verdadeira razão da vida não pode se dar a esse luxo.
Devemos entender primeiramente o que é aproveitar a vida e, para isso, podemos utilizar-nos de um paralelo: o exemplo do pai que tinha dois filhos e a cada um deles deu um automóvel. O primeiro deles, imediatamente após a posse das chaves, já passou a fazer uso do veículo para transportá-lo à escola, ao trabalho e ao lazer, enquanto que seu irmão, muito cauteloso, econômico e zeloso, limpava seu presente quase todos os dias, revisava seu estado mecânico, lubrificava e lavava os mais inatingíveis cantinhos do veículo de forma a mantê-lo sempre em condições de uso.
Todavia, perguntamos: qual deles efetivamente conseguiu aproveitar-se do automóvel? Não obstante todo o zelo do segundo irmão, o tempo se incumbiu de inutilizar o automóvel, que não se prestou para a sua finalidade que era a de transportar e servir as pessoas. Assim é nossa vida: conseguimos o direito a ela com muito esforço e temos de entender qual é sua verdadeira finalidade que, a nosso ver, não é outra senão servir de veículo para nosso aprendizado, para que, através dela, possamos construir um mundo melhor para a humanidade e, consequentemente, para nós mesmos.
Temos ainda que entender que a finalidade da vida não pode ser confundida com as tendências do corpo. A vida de forma manifestada faz-se pela encarnação no corpo que, por sua vez, tem vida própria, tem suas tendências próprias, suas necessidades próprias. Nosso físico, atendendo a uma das qualidades da matéria, tem tendência à inércia, ao repouso, à preservação, bem como nosso corpo vital tende a ter seu ritmo próprio, seja a circulação sanguínea, a respiração, os batimentos cardíacos, etc. Por sua vez, nosso corpo emocional alimenta-se de turbilhão de emoções e nosso corpo mental de pensamentos.
Entendendo essas tendências naturais, poderemos compreender o que nos leva a querer repousar o corpo geralmente além do necessário, o que nos leva a poupar nossa energia prânica ou o que nos leva a procurar novas emoções, adrenalina ou, ainda, o que nos faz pensar em círculos horas e horas sobre o mesmo assunto sem chegar a conclusão alguma. Essas são nossas tendências, ou melhor, as tendências do nosso corpo. E o que falta então?
Afirmamos que carecemos de discernimento. Falta comando da alma, falta direção, falta o orientador que não pode ser simplesmente nossa mente e sim algo superior a ela. Esse comando deve vir do espírito, o único que pode limpar e pôr ordem na casa. Isso explica o fato de alguém trabalhar a vida toda e construir um patrimônio para, então, depois de se aposentar, aproveitar a vida na praia ou no campo e, talvez nessa hora, perceber que tudo isso foi energia desperdiçada, pois, na maioria das vezes, não somente faltou descobrir a verdadeira finalidade da vida, como poderá faltar saúde e companhia para desfrutar desses prazeres e, quem sabe nessa hora, muitas vezes sozinho diante de tudo de material que construiu, venha-lhe o discernimento, mas já se faz tarde – pobre diabo! Oxalá não descubra e permaneça na sala da ignorância.
Aproveitar a vida é ter um ideal transcendente e por ele trabalhar; é dar à vida seu verdadeiro sentido; é não a desperdiçar em projetos ambiciosos; é não ceder às vontades do corpo e sim educá-lo. De nada adiantará um corpo preservado e que nada fez, que não foi utilizado com a inteligência necessária, que não soube aproveitar os momentos, as experiências e as oportunidades para se autoconstruir. De nada servirá uma vida que foi mal utilizada, gerando carma negativo.
Por outro lado, não podemos nos ativar buscando simplesmente a produção de coisas, o produzir pelo produzir e sim produzir o justo, aquilo que nos transforme pelo simples ato de produzirmos o que deve efetivamente ser produzido, aquilo que está conforme o ideal transcendente. Somente assim estaremos aproveitando de fato a vida como ela deve ser aproveitada a cada dia, todos os dias, todas as horas e todos os momentos.
Como afirma o filósofo Sêneca: “Não devemos nos preocupar em colocar mais dias em nossas vidas e sim mais vida em nossos dias.”
O que percebemos hoje é a falsa ideia de que aproveitar a vida é entregar-se a seus prazeres, relegando seu verdadeiro sentido a segundo ou terceiro planos, esquecendo-nos para que viemos ao mundo e agindo de modo tão ignorante que procuramos postergar o mais possível nossa partida, querendo viver muito tempo, porém, sem nos preocuparmos em preencher esse tempo com vida.
Nesse diapasão, ficamos piores à medida que envelhecemos, tornando-nos mais críticos, mais emburrados, mais frios, com menor capacidade de convivência e pouco a oferecer aos jovens. Esses são os sintomas de que vivemos uma vida puramente biológica e não filosófica. Fosse ao contrário, à medida que envelhecêssemos, nos tornaríamos mais pacientes, menos críticos, mais sensíveis, mais donos do nosso destino e mais sábios.
Estás aproveitando tua vida?