Quantas vezes já ouvimos alguém dizer, até com orgulho, que está apaixonado ou, ainda, que o amor é resultado da paixão? Por isso, escrevemos este capítulo para que possamos desvendar um pouco o que, de fato, significa estar apaixonado por algo ou por alguém e o que realmente é o amor.
Primeiramente, deixemos claro que paixão não é sentimento. A paixão pertence ao mundo da personalidade, enquanto os sentimentos emanam do ego superior. Em outras palavras: a paixão é egoísta, enquanto os sentimentos são puros e altruístas; a paixão provém de nosso corpo mental concreto, de nossa mente dos desejos, um dos corpos que, juntamente com o corpo emocional, o vital e o étero-físico, compõe nossa personalidade mortal, temporal e passageira. Os sentimentos, entretanto, vêm de nossa tríade superior, de nossos corpos por essência altruístas que se encontram ainda latentes no homem e que um dia conquistaremos.
Para entendermos a lógica da paixão, precisamos de um passo anterior: entender primeiramente nosso corpo mental concreto, já bem conhecido dos antigos povos hindus, tibetanos, egípcios e outros. Em sânscrito, esse corpo é denominado de kama manas: kama significa desejo e manas significa mente. Por conseguinte, esse corpo sempre foi conhecido como a mente dos desejos, corpo naturalmente egoísta, voltado para atender as necessidades de nossa personalidade e não as necessidades da alma.
Por sua característica egoísta, nosso corpo mental tende a querer suprir nossas necessidades, possuindo tudo aquilo que considera necessário. Esse corpo sem um comando superior tende aos exageros, com uma capacidade ilimitada de autojustificativas pelo seu comportamento. É através desse corpo que pensamos e interagimos no mundo mental, que mantém certa hierarquia sobre os demais.
Sendo esse corpo mental uma unidade apartada do corpo emocional, muito embora todos trabalhem interligados, já podemos concluir que a paixão não é sentimento nem emoção. Não é sentimento pois, como já dissemos, os sentimentos são de origem superior, a exemplo do amor, da compaixão, etc., e tampouco é emoção, pois a emoção pertence ao corpo emocional e não ao kama manas, muito embora a paixão por si só nos conduza a ter emoções.
Muito menos, paixão é amor, pois o amor é um sentimento puro e desprendido de desejo, desprendido de resultado e de interesses pessoais. O amor une para sempre, uma vez que o amor é inesgotável pelo simples motivo de não ser nosso, mas sim uma força da natureza. A fonte do amor está em Deus, assim como a vontade. Para podermos amar de fato, precisamos formatar-nos de modo a conceber a ideia do amor. Assim como uma antena de televisão que consegue captar sinais que, de outra forma, de nada serviriam apesar de estarem sempre no ar, assim é o amor – uma energia poderosa que pode transmutar-nos através de sua força unificadora. Entretanto, para amar precisamos ser puros de coração, como sabiamente foi-nos ensinado pelo mestre Jesus no sermão da montanha: “vinde a mim as criancinhas, pois delas será o reino dos céus”. As criancinhas são todos aqueles que cultivam um coração puro, livre do egoísmo, livre dos desejos e livre das paixões.
Enquanto o amor é desapegado, a paixão é o próprio apego. São os grilhões que nos atam ao mundo sensível, ao mundo material. A paixão objetiva a própria satisfação, vendo o objeto do desejo como um fim nele mesmo. Isso explica o porquê de a paixão acabar quando nos convencemos da propriedade definitiva do objeto desejado e esse objeto pode ser um bem material, uma ideia ou, ainda, uma pessoa. Daí origina-se o ciúme, que nada mais é do que a incerteza da propriedade do objeto da paixão. O ciúme não somente vem da insegurança, mas também do egoísmo que gerou a paixão – e que fique claro que a existência do ciúme, necessariamente, se dá na ausência do amor e na presença da paixão.
Jamais devemos trocar uma paixão por outra, mas sim trocar a paixão pelo amor. Cultivar o amor é um trabalho duro e diário, já que tem em seu princípio o combate à nossa mente de desejos, que deve ser educada e disciplinada a fazer suas funções racionais e somente isso. Matar o desejo dentro de nós é o mesmo que nos alquimizarmos, ou seja, sair de nosso estado de carbono e nos transformarmos em diamantes.
A paixão é a mãe do sofrimento já que implica desejo trazendo a dor por não obter o objeto desse desejo ou não conseguir que uma ideia seja posta em prática ou, ainda, que uma pessoa querida seja sua – e, mesmo que se tenha conseguido tudo isso, existirá a dor pelo risco da perda ou, ainda, a dor quando perder tudo isso já que, tanto pessoas quanto ideias e objetos, infalivelmente, se separarão de nós neste mundo material.
A partir desse raciocínio, passamos a entender também que nossa felicidade jamais pode estar calcada em algo que seja exterior a nós, pois, mais cedo ou mais tarde, perecerá junto com o objeto de desejo, ao passo que a verdadeira felicidade não provém da paixão e sim do amor, já que o amor como sentimento nos une ao eterno, ao cosmo e, consequentemente, a tudo o que existe. Destarte, somente pelo caminho do amor podemos ser felizes e verdadeiramente livres, enquanto pela paixão tornamo-nos escravos dos bens desejados e infelizes em face da temporalidade dos objetos da paixão.
E o que dizer do amor maternal? Ora, esse, de fato, traz a raiz do amor – pois une mãe e filho – mas o amor não sobrevive à posse. Se há posse não há amor já que esse é absolutamente desprendido. A posse é um pressuposto do egoísmo: os pais que de fato amam não deixam de aplicar o corretivo justo; já os pais apaixonados superprotegem e relevam. Os pais que verdadeiramente amam seguem as leis, enquanto os apaixonados protegem seus filhos; os pais que amam, diante da morte ou sofrimento dos filhos, choram por eles, enquanto os pais apaixonados choram por si próprios.
E o que dizer do amor no casamento? Essa é mais uma das formas que temos para ensaiar nossos passos pela trilha do amor. O verdadeiro casamento não é o que existe pelos interesses materiais ou, ainda, afetivos, mas é aquele que se liga pelo ideal superior de ambos, ideal de se tornarem pessoas melhores e então exercitarem o amor pela paciência, pela humildade e pela convivência de uma forma geral.
Portanto, sejamos atentos ao motor que vem conduzindo nossa vida. Procuremos mudar esse motor um pouco cada dia, todos os dias. Utilizemos nossa atenção para uma auto vigília. Somente assim, um dia, nos desapaixonaremos pela vida do mundo material e desenvolveremos nossa capacidade de amar e, somente assim, nos manteremos crianças.
Troque suas paixões por amor verdadeiro!