Neste artigo trataremos da culpa, um assunto que normalmente não é alvo de reflexões e, certamente, um dos motivos é por acharmos que seja um tema muito simples e com conceito bem definido. Porém, a Filosofia conduz-nos a uma reflexão sobre o tema que poderá levar-nos um pouco mais adiante na busca da sabedoria através do autoconhecimento.
Primeiramente, devemos entender que a culpa pode ser vista sob dois aspectos ou direções: um deles é sob a ação da força centrífuga em nós, que se manifesta pela atribuição da culpa aos outros, ou seja, a procura de um culpado que não sejamos nós mesmos, que esteja fora de nós, e uma segunda direção é a interna, cuja ação está sob o movimento da força centrípeta, ou seja, a autoculpa.
Sabemos que a matéria tem sempre três qualidades ou direções: a inércia, o impulso sem consciência e o equilíbrio que sempre está vinculado à justiça e à harmonia. Vejamos, então, cada uma dessas direções. Entretanto, antes disso vamos analisar com um pouco mais de profundidade o que seja a culpa.
A culpa sempre advém de um posicionamento contra nós mesmos e a favor da ignorância. Culpa é atribuir a outrem ou a si mesmo a responsabilidade por um comportamento repreensivo ou criminoso, um mal ou erro cometido.
Se o início da culpa é quando nos acusamos assumindo um fardo, seu término é quando reconhecemos as verdadeiras causas e decidimos mudar.
A culpa, no seu movimento pela força centrípeta, é a autoacusação e sempre encontra terreno fértil nas pessoas que não têm autoconfiança. Na medida que não nos assumimos, não nos aceitamos com nossas virtudes e defeitos, na medida que não entendemos a Lei da Natureza de Ação e Reação, prendemo-nos na culpa, ou seja, a culpa de si mesmo nada mais é do que a medida da nossa ignorância sobre nós mesmos. A culpa por si mesma não traz evolução, pelo contrário, ela nos torna mais pesados, mais densos e impossibilitados para continuar caminhando em direção à verdadeira luz. Isso ocorre porque a culpa não liberta, mas sim escraviza, já que simplesmente nos culparmos por uma situação, mesmo que tenha causado muito mal a alguém ou à humanidade, e não agirmos sobre a sua verdadeira causa, perpetua o estado de erro e, consequentemente, impossibilita a renovação do ser.
Quando através de um julgamento concluímos que a culpa foi nossa, necessariamente, devemos ir para o passo seguinte, que é o reconhecimento seguido de ação ativa, ou seja, devemos a partir da culpa alterar nosso carma. Isso somente é possível a partir da mudança de comportamento. Ora, se reconhecemos que erramos e o porquê de termos errado e reconhecemos ainda a causa que nos levou a cometer o erro, devemos, ato contínuo, buscar mudar nossos pensamentos e atitudes, já que os pensamentos são os bastidores da ação física. A isso chamamos de alquimia interior.
Contrário senso, se simplesmente nos culpamos e não agimos nas causas, estamos nos condenando a uma prisão perpétua, posicionando-nos contra nós mesmos, aprisionando-nos numa cela, trancando a porta e jogando a chave fora. Por isso, uma pessoa que se culpa não consegue ver solução para si mesma, entrando num estado de desarmonia e contradição com uma das principais Leis da Natureza, que é a Lei da Evolução, ou seja, carregar culpa é confrontar-se com o Universo.
Ainda sob a ignorância, muitas pessoas acham que para se libertarem da culpa que as aprisiona necessitam do perdão daqueles a quem feriram. Esse certamente é mais um erro em que incorrem. Não que não possam, num ato de humildade e educação, pedir perdão ou desculpar-se pelo mal que causaram. Melhor ainda se puderem recompensar ou restituir à vítima aquilo que lhe foi diminuído, porém jamais se pode atrelar a manutenção da autoculpa à condição de ser ou não concedido o perdão por parte do outro.
A concessão ou não do perdão por parte da vítima passa a ser fator alheio à existência da culpa, já que não lhe é causa e sim efeito. Neste diapasão, cessamos a culpa e a geração do carma negativo quando reconhecemos nossa culpa, cessamos o ato danoso e passamos a agir em conformidade com as Leis do Universo.
Assim, o ato de perdoar já não depende mais de nós e sim do outro. Essa é a maravilhosa equação divina, que se aproveitando de um erro, concomitantemente criou uma prova à vítima, testando sua grandeza de coração, seu poder de aceitação, compreensão das leis divinas, em suma, sua capacidade de conviver e amar.
Carregar culpa é para os ignorantes, é como amarrar uma bola de ferro no tornozelo e reclamar que não pode ir a lugar algum, é agir contrariamente aos seus próprios interesses evolutivos.
A culpa, quando atrelada à força centrífuga, leva-nos sempre a achar um culpado fora e não dentro. Não carregamos culpa de nada, porém carregamos a mesma ignorância que se apresentou no caso anterior. Se não temos culpa, não temos responsabilidade, se não temos responsabilidade, não precisamos mudar, se não mudamos, não evoluímos, ou seja, o efeito é idêntico ao caso da autoculpa, ambas nos conduzem à escravidão. Em ambos os casos curvamo-nos ao mesmo senhor, à ignorância sobre nós mesmos e à nossa negligência em procurar mudar-nos internamente.
A culpa para fora denomina-se projeção. É o fenômeno psicológico, através do qual nós projetamos a responsabilidade sobre as nossas vidas e da nossa evolução em algo ou alguém externo. Sintetizando, buscamos sempre atribuir a culpa a algo ou alguém que não sejamos nós mesmos. Dessa forma, as coisas ficam bem fáceis, pois nos colocamos como espectadores quando, na verdade, deveríamos ser protagonistas.
Este fenômeno está bem vivo na nossa sociedade e é muito utilizado pelos manipuladores sociais, que anseiam manter-nos na ignorância. Temos muitos exemplos, porém um bem popular é o esporte, onde projetamos a responsabilidade da nossa felicidade num time de futebol ou basquete. Tornamo-nos espectadores, torcemos, emitimos opiniões, sofremos, angustiamo-nos, vibramos, ficamos radiantes ou depressivos. Tudo isso acontece sem nada termos feito, muitas vezes sequer necessitamos levantar da poltrona. Porém, se aquele para o qual torcíamos ganhou, sentimo-nos os vitoriosos, poderosos, como se a conquista fosse nossa e, inversamente pela perda, tornamo-nos depressivos, agressivos e, claro, culparemos o técnico, o jogador, o juiz, a torcida adversária ou qualquer outro que se coloque no nosso alvo.
Assim sendo, nenhum dos caminhos anteriores é sadio, ambos nos colocam contra as Leis da Natureza, ambos não nos levam ao caminho evolutivo. Por isso, somente há um caminho possível, que é o reconhecimento não exatamente da culpa, mas das suas verdadeiras causas e, consequentemente, a partir daí o início do trabalho das virtudes contrárias que anularão essas causas. Exemplo: Se a causa for a desatenção, procure trabalhar a atenção, se identificar como causa a indolência, procure ativar-se, etc.