Por vezes, os conceitos de alguns substantivos acabam por ter mais de uma interpretação. Isso se deve a diversos elementos referentes à personalidade e a aspectos culturais, dentre eles, fatores educacionais distorcidos ou aleatoriamente desconectados de uma linha de conhecimento mais profundo, dando origem a interpretações parciais e, na maioria das vezes, distorcidas da verdade.
Tais erros interpretativos trazem prejuízo ao homem, uma vez que esses conceitos são a base através da qual ele norteia sua forma de agir no mesmo diapasão da sua forma de pensar.
Um destes erros, que abordaremos neste artigo, trata da interpretação do amor incondicional quanto à sua parte prática. Em outras palavras, quando estamos em ação, muitas vezes acabamos numa encruzilhada e muitas são as dúvidas e perguntas que podem surgir. Tais questões, sem uma resposta coerente e bem embasada, podem tornar passivos os ativistas, apagar o fogo dos idealistas ou, ainda, dar guarida a ações sem inteligência e eficácia, uma vez que, muito embora a intenção primeira seja de boa vontade, tais ações perdem-se na prática e acabam prejudicando as pessoas, ao invés de ajudá-las. Vejamos:
Quando falamos do princípio da criação de uma fraternidade universal, princípio este constante do ideal de praticamente todas as religiões, ordens e associações que se unem para ajudar a humanidade, muitos adeptos ou associados, embora nem sempre deixem transparecer, perguntam-se por que as atividades dessas instituições muitas vezes são remuneradas. Ora, segundo a visão dessas pessoas, tal procedimento choca-se com o ideal do amor incondicional que se deve nutrir por todas as pessoas, pois, na medida em que se impõe um preço, de certa forma se está colocando uma condição para doar aquilo que a princípio deveria ser incondicional.
Ocorre que a incondicionalidade está vinculada àquele que doa e não àquele que recebe. Esta distorção normalmente é efeito de um raciocínio infantil e dirigido pelo egoísmo, que vê somente o lado que recebe e, com esta visão parcial, julga aquele que doa.
Não podemos esquecer que não há mérito algum em receber: o mérito está na doação e, por isso, é o doador quem tem de agradecer. Nossa dificuldade em compreender tão simples ensinamento está na forma com que fomos educados, através da qual recebemos fomento para nos tornarmos homens incompletos, pedintes, esperando sempre que alguém venha a nós com o suprimento que precisamos, ou que achamos que precisamos, para sermos completos. Esta imagem falsa e distorcida da realidade escraviza-nos, torna nossa autoimagem fraca e a consequência disso é um homem fraco e desarmonioso ou, ainda pior: sem discernimento para entender que a condição imposta na doação incondicional não está em quem doa, mas em quem recebe.
Imaginem que um grupo de benfeitores decide distribuir sopa ou cobertor nas ruas para os desabrigados. Muito embora seja esta ação desapegada e promovida pelo verdadeiro amor incondicional, não haveria qualquer lógica em doar um cobertor para alguém que, mesmo morando nas ruas, já tivesse o suficiente, ou ainda que houvesse terminado a sua refeição; natural e lógico seria que se procurasse um pouco mais por um moribundo que estivesse faminto ou com frio para receber a doação, ou seja, aquele que reunisse a condição de momento para receber o objeto doado.
Neste mesmo sentido, toda a doação traz implícita uma condição inerente ao recebedor. Se alguém vai doar seu conhecimento numa aula ou numa palestra, mesmo não recebendo nada por isso, deve exigir o mínimo de silêncio, de atenção e de respeito para que possa conduzir o evento de uma maneira educada.
Num ritual ou cerimônia, o dirigente deve sim impor as regras mínimas de boa conduta e respeito àqueles que hão de receber uma ajuda com a ritualística. Errado seria, em nome do amor incondicional, permitir que pessoas desrespeitosas, inclusive com relação aos trajes, participassem em conjunto com os demais, já que não preenchem as condições para receber o que vai ser doado.
O mestre Confúcio deixou-nos um ensinamento acerca da questão apresentada: lecionava abertamente ao povo, mas tinha discípulos mais próximos que necessariamente deveriam preencher algumas condições morais e éticas para poderem receber seus ensinamentos mais profundos. Confúcio dizia que ensinava a todos sem distinção, exceto por um grupo de pessoas às quais ele denominou de negligentes: a estes ele não ensinava.
Nossa missão, enquanto filósofos, pode ser definida como uma missão pela humanidade, com intuito de transformar pedintes em doadores, motivados unicamente pelo amor incondicional, amor este que, quando conseguir tocar os corações dos demais a ponto de alquimizá-los, já nos terá feito pessoas melhores.
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Gostei do artigo, interessante!